segunda-feira, 20 de junho de 2011

Inspiração

Playing with light, de Carlos Torres (retirada daqui)


Colhes as letras nos canteiros floridos do teu ser. Na ponta do meu lápis, as palavras começam a crescer e entrelaçam-se enquanto tu me observas. Passas horas aí, em cima da cama, com o queixo apoiado nas duas mãos, imóvel, apenas bamboleando os pés, alternadamente. Nesta minha folha em branco, as palavras ganham contornos e deixam-se preencher pela tua presença inspiradora. Com elas vivemos histórias que não são nossas. São daqueles que encontramos no caminho e no sonho.


domingo, 19 de junho de 2011

A Escrita que se esconde em mim

Cais, de Nhaco (retirada daqui)


Tenho sofrido poesia

como quem anda no mar.

Um enjoo.

Uma agonia.

Sabor a sal.

Maresia.
Vidro côncavo a boiar.

Dói esta corda vibrante.
A corda que o barco prende

à fria argola do cais.
Se vem onda que a levante

vem logo outra que a distende.

Não tem descanso jamais.


(Poema: Vidro Côncavo, de António Gedeão)


quarta-feira, 15 de junho de 2011

A sonhar com as férias!

A dormir com os pés de fora, de MRAM (retirada daqui)


terça-feira, 14 de junho de 2011

São Jorge Universo

s/título, de Ricardo Alves (retirada daqui)


Na ilha

o tempo é uma longa música
de espera
que os camponeses repartem
entre
o tempo da pesca e do milho.

Quando chove

os homens interrompem as conversas

e olham magneticamente

a água suada do céu.


Chover na ilha

cria o mar total: o mar

caído do céu, ao lado do mar,

que dorme,

vermelho e magnífico.


O mar é um cavalo azul

que os homens da ilha olham

como égua fresca e demorada,

que o sol desmontou,

e galopa livre e inundada!


Se há universo na rua dos douradores,

o que é o universo nesta ilha

onde até o universo sobeja?


Carlos Faria


Mornaça Lírica

Bailado ao anoitecer, de José Bóia (foto retirada daqui)


Bruma!!!

A bruma é um dia em flor...

A cinza é o mar-total: todo o espaço é perto e curvo!

São rosas estes dias.
Tanto faz ser noite ou dia.

As manhãs dão uma frescura nova, ocorrendo-nos sobre a pele...

Uma garça saíu, branca, agora do cinzento e corre sem fronteiras para os nossos olhos.

A manhã vai alta.

Não há vento ou vozes que acordem este silêncio e façam as folhas voltarem às urzes secas.
O mar está deitado sobre o seu corpo de seda, esta água!
As rosas na ilha é que se movem: aroma de asas!



Carlos Faria



segunda-feira, 13 de junho de 2011

Tributo a Fernando Pessoa

(retirada daqui)


Sou um guardador de rebanhos


Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro


Porque hoje somam-se 123 anos desde o nascimento do inigualável e genial Fernando Pessoa, partilho um dos poemas que mais gosto, de um dos seus heterónimos - Alberto Caeiro, porque acredito que é nas pequenas coisas da vida que podemos beber felicidade - um sorriso, uma tarde de sol, uma música, um abraço, a companhia de um amigo... Por vezes é quanto basta para nos sentirmos em plena comunhão com o [nosso] mundo.


sábado, 11 de junho de 2011

Segredos do Acúcar, de Carlos Teixeira (retirada daqui)


O som da máquina de escrever do vizinho de cima é como o tiquetaquear metálico e persistente do
relógio que, em noite de insónias, rouba o protagonismo ao silêncio do sono. Os meus dedos não acompanham as palavras que ganham vida própria e se escondem debaixo dos caracóis dos meus cabelos. Só o fazem para me segredar histórias. Algumas minhas, outras não.

Escrever na areia, de Vera (retirada daqui)


«Havia um livro imaginário com páginas que latejavam ao ritmo da sua própria angústia. As palavras eram soletradas a uma distância que me impossibilitava de as repetir, e muito menos escrever. Corri pela rua fora. Cheguei ao paredão da rocha. Voltei-me. De braços na horizontal, em paralelo com o horizonte, fixei o olhar para além das pequeninas montanhas que se elevavam por detrás da mancha esbranquiçada do casario. Olhei o moinho. Sorri-lhe. Minha testemunha de insossego. Companheiro fiel de noites em que naveguei à deriva. De respiração contida, pus-me à escuta. Reconheci, afinal, que as palavras eram a voz que, há séculos, me perseguia como sombra, misto de agonia e ternura. Tentei, a medo, iniciar um diálogo que foi interrompido logo que a primeira sílaba da minha boca se despediu, no ar. Foi a voz que falou primeiro:

- Não sabes como iniciar esta estória, não?

Tal pergunta era exactamente a que eu esperava. Como rafeiro envergonhado, refugiei-me no gesto de desenhar pequenos círculos com o meu pé descalço no chão de areia solta e juncado de palha. A voz pareceu-me sorrir. E ordenou-me:

- Escreve, já que o teu tempo foge como as nuvens sopradas pelo vento. Escreve!»

José Francisco Costa (in Mar e Tudo, 1998)